Lulla Gancia, mulher ousada que ajudou a impulsionar o automobilismo brasileiro

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Nesta semana do Dia Internacional da Mulher, convidamos a legião apaixonada pelo automobilismo a prestar homenagem-póstuma a Lulla Gancia, casada com o ex-piloto, empresario de sucesso internacional e presidente da APVC – Associação Paulista dos Volantes de Competição – e também da Confederação Brasileira de Automobilismo, Piero Gancia.

Lulla Salvadori di Wiesenhoff Vallarino Gancia, mais conhecida como Lulla Gancia, era italiana, nascida em Turim, na região de Piemonte, no dia 5 de fevereiro de 1924, filha de Isidoro Salvadori di Wiesenhoff, vice-prefeito de Turim, e neta do conde Salvadori de Weissenhoff, de uma família reputada do Tirol da Áustria.

Lulla e seu marido, Piero Gância, constituiram uma família de comportamento extremamente cordial, com a qual o meu relacionamento sempre foi muito agradável e enriquecedor.

Além da nobreza, os Gância amavam o perfume da gasolina e não se importavam em uniformizar-se como mecânicos e ter alegria de conviver com os profissionais da graxa. Para eles, o importante é a alegria que a vida proporciona.

Lulla casou-se com Piero em novembro de 1947 e alguns anos depois, decidiram residir no Brasil, escolhendo a cidade de São Paulo como morada segura. Já haviam vivido sob os bombardeios da Segunda Guerra, porque Turim, terra da Fiat, era um dos alvos preferidos, por ser importante centro industrial.

Em 15 junho de 1950 Lulla, Piero e o filho Carlo, viajaram para o Uruguai, mas depois de quase três anos, em março de 1953, resolveram regressar a São Paulo. Além de Carlo, a união entre Lulla e Piero deu-lhes também Kika e, em São Paulo, nasceria em 1957 outra filha, Bárbara, que se dedicou ao jornalismo.

Aqui, o casal Gancia rapidamente entrosou-se na sociedade paulistana e Piero dedicou-se à atividade de vinhos.

Mulher dinâmica, Lulla sempre prestigiou o marido e, convivendo com ele, também apaixonou-se pelo perfume da gasolina e o creme de graxa, depois que Piero a levou ao autódromo de Interlagos para que conhecesse o Esporte. Foi quando se assustou ao saber que o marido iria correr de automóveis, incentivado por Celso Lara Barberis, famoso piloto brasileiro, na prova 12 Horas de Interlagos, no dia 25 de janeiro de 1962.

Lulla gostou tanto da experiência, que a volta proporcionada pelo marido multiplicou-se e despertou nela o desejo de também participar de algumas corridas, conduzindo um dos carros da equipe que Piero formara no Brasil.

Dia 14 de dezembro de 1963, Lulla fez sua estreia em competições em corrida para mulheres de famílias de pilotos. Nessa prova, a bandeirada de largada foi dada pela senhora Leonor Mendes de Barros, esposa do governador Adhemar de Barros.

Além dela, também participaram Marise e Leoni, irmãs de Cyro Cayres, e Maria Angélica, esposa de Ubaldo César Lolli.  Leoni, com um Simca, foi a vencedora, seguida por Marise, com uma berlineta Interlagos. Lulla, com uma Alfa Romeo Giulietta, terminou em terceiro, à frente de Maria Angélica Lolli, Conceição Aparecida Brandi e de Edna de Souza.

Em abril de 1966, a ousada Lulla, competiu na corrida Mil Quilômetros de Brasília, em comemoração ao aniversário da capital da República, formando dupla com Felice Albertini, motorista da família e que também foi contagiado pelo esporte ao participar de um curso de pilotagem patrocinado por Piero Gancia, que considerava importante para a segurança da família que o motorista tivesse a habilidade de um piloto.

Lulla e Felice chegaram em quinto lugar, na corrida vencida pelo marido, em dupla com Marivaldo Fernandes, conduzindo uma Alfa Romeo, marca que sempre representou no Brasil. Foi uma festa familiar na capital da República.

Além de competir, Lulla também se tornou membro da equipe, cuidando dos boxes para a Escuderia Jolly Gancia, encarregou-se da cronometragem.

Com estrutura, a Escuderia Jolly Gancia começou a ganhar corridas e, em 2 de maio de 1965, Piero obteve sua primeira vitória no circuito da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e no ano seguinte, sempre com a participação de Lulla, na orgnização, conquistou o primeiro título de campeão brasileiro.

A presença de Lulla e Piero foi marcante e importante para o automobilismo brasileiro. A principal ação foi a participação no projeto de reforma do Autódromo de Interlagos que, desde a sua inauguração, em 1940, não recebia manutenção. Iniciada em 1968, literalmente pavimentou o caminho para o Brasil ser incluído no calendário da Fórmula 1.

Eles promoveram um almoço oferecido pelos pilotos ao, na época, prefeito de São Paulo, brigadeiro José Vicente Faria Lima, para convencê-lo a reformar o autódromo. Ao final do almoço, Faria Lima concordou com a possibilidade de fazer a obra de reforma e torná-lo um parque desportivo de nível internacional.

O prestígio da família Gancia e o relacionamento que possuía com o prefeito de São Paulo, motivou Lulla a comandar o projeto. Foi nomeada coordenadora da grande obra, trabalho que já havia feito durante a construção da revenda da família, na Avenida Miruna, em São Paulo.

A elegância com informalidade sempre foi a marca da família Gancia às pessoas que a visitavam, deixando-as à vontade, em casa e na oficina da equipe Jolly Gancia. E as despedidas eram sempre premiadas com agradáveis surpresas.

Na oficina de equipe vivia-se um ambiente de entusiasmo, imposto por Lulla e Piero Gancia, transmitindo aos mecânicos um clima de igualdade e de liberdade responsável que ajudava a manter a alegria do grupo para que o resultado fosse sempre o melhor possível.

Essa alegria era comandada por Giuseppe Perego, chefe dos mecânicos, um simpático italiano sempre bem-humorado, que mantinha um ambiente muito agradável entre os pilotos e toda a equipe de trabalho.

Um dia, ao fazer uma visita, nossa conversa foi mais longa que o esperado e, ao agradecer e tentar me despedir, fui impedido, especialmente por Lulla com sua simpatia e a solidariedade do grupo, que exigiram que eu aceitasse almoçar com toda a equipe.

Lembro que esperava por um prato de massa, mas foi servido um delicioso arroz de forno, acompanhado por uma carne cozida com um sabor inesquecível.

Um dia fui entrevistar Piero Gancia, na casa da Avenida República do Líbano. Recebi um fidalgo tratamento ao longo do diálogo com Piero em que me transmitiu a notícia de que incluiria na equipe um novo Alfa Romeo, o modelo Zagato e todas as especificações técnicas do automóvel.

Ao final, quando tentei agradecer as atenções recebidas, Piero me convidou para conhecer o automóvel com um passeio para que eu avaliasse o seu comportamento.

Me levou até a garagem, de onde saímos para um passeio pelas Avenidas República do Líbano e Indianópolis, até o último retorno, antes da Avenida Jabaquara.

Momentos inesquecíveis com os Gancia.

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