Como dizia em tom de brincadeira Antonio Carlos Avallone, piloto e grande empreendedor que ajudou a enriquecer o automobilismo brasileiro, sempre ao se despedir dos amigos: não se meta em encrenca!
Infelizmente, muitos não tiveram a oportunidade de receber esse conselho.
Em 1976, a Ford iria reinaugurar uma fábrica de tratores, em São Bernardo do Campo, construída ao lado dos edifícios de produção de automóveis, para uma nova tentativa de voltar a participar do mercado agrícola. Ela já havia produzido, até 1968, 12.443 unidades do modelo Ford 8 BR – nome idealizado para identificar o país de produção – na fábrica do Ipiranga, junto com os caminhões, que lhe deu a posição de segundo mais vendido do mercado.
O modelo 8 BR representava a visão de Henry Ford de um País com um futuro promissor, mas com o seu falecimento os herdeiros não tiveram o mesmo empenho e desistiram do empreendimento. Imaginem desistir de um mercado promissor do qual era o vice-líder!
Na segunda metade década de 1970 os homens da Ford decidiram voltar a participar do mercado, construindo uma fábrica no complexo industrial de São Bernardo do Campo, inaugurada em junho de 1976 com o lançamento de dois novos tratores, com a identificação de modelos 4000 e 6000.
A inauguração dessa fábrica – que depois ganhou o nome de Ford New Holland e, em 1991 acabou sendo adquirida pela Fiat, resultando na Case New Holland – teve a participação do, na época, presidente da República, Ernesto Geisel.
A inauguração deveria também contar com a participação de um norte-americano, gerente da área de tratores, que residia no Brasil. Mas ele, por nunca ter conhecido Avallone, não pôde ouvir os conselhos para não se envolver em encrencas. Por isso, acabou impedido de participar da festa.
A história, não revelada com a necessária veracidade e contada por alguns funcionários é que ele, em seu apartamento na região dos jardins, envolveu-se com uma pessoa que o agrediu no pescoço, com uma faca ou gilette. Ferido, não procurou socorro médico e tentou conter o sangramento, mas acabou desfalecendo e indo a óbito.
No dia seguinte, ao chegar ao trabalho, fui chamado pela diretoria que me informou sobre a ocorrência e me transmitiu um desafio: tentar evitar a publicação da notícia nos jornais para que os jornalistas não fizessem perguntas a respeito do episódio ao presidente da República ou ele, pela repercussão das notícias, pudesse cancelar a participação no evento.
Saí imediatamente para uma visita a todos os principais jornais e sucursais, transmitindo a informação sobre a ocorrência com o pedido de, se pudessem, evitar a publicação da informação acompanhada do nome da Ford.
Mais uma vez em minha carreira, contei com a sorte e com a ajuda dos jornalistas que entenderam o problema e pelo nosso nível de amizade, deram o mais absoluto apoio ao meu pedido. O presidente da República compareceu e o evento de inauguração da nova fábrica foi um sucesso, sem impactos da morte do executivo.
Naturalmente, os tempos eram diferentes e, hoje, seria uma missão quase impossível, muito difícil de cumprir.
Se isso acontecesse atualmente, em minutos o caso estaria na mídia e nas redes sociais, e eu teria sido acionado ainda na noite anterior por algum jornalista ou influencer já com imagens do executivo querendo mais detalhes sobre o ocorrido e o morto. A minha missão não seria evitar a publicação e sim de tentar conter sua repercussão e os impactos negativos à imagem da Ford, de seus executivos e, consequentemente, do evento de inauguração da nova fábrica.
Lembrando disso, analiso a grande transformação positiva que aconteceu nesses mais de 40 anos, com relação à transparência, acesso à informação e compromisso de todos e de cada cidadão com a verdade. Dá para imaginar como as notícias podiam ser direcionadas e ou manipuladas? Não que fossem, mas o processo era mais longo, demorado e poderia sofrer interferências.
Dá para imaginar o gap de tempo entre o fato ocorrido e a notícia ser publicada? A velocidade era completamente outra e, muitas vezes, se tinha mais tempo para apurar e digerir as informações, como jornalista, e mais tempo para municiar a imprensa com os dados esclarecedores ou adicionais, como assessor.
Por isso, sinto-me privilegiado em poder ter vivido e aprendido muito naquela época e ainda estar presente e ativo para poder assistir e ainda participar dessa nova realidade da comunicação e do jornalismo.
Apesar do bom conselho de Avallone que ouvi várias vezes, nem sempre fiquei fora de encrencas, mas consegui sobreviver.
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