A receita de reduzir o conteúdo e equipamentos dos modelos de entrada ou reduzir impostos por um determinado tempo como forma de reduzir preços, aumentar as vendas de veículos e vencer os momentos de crise da indústria automobilística brasileira já se mostraram ineficazes nos médio e longo prazos. Basta olhar para trás e ver que a produção e vendas de carros em 2022 foram no mesmo patamar de 2004 e 2005.
O recente anúncio da semana passada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, da publicação de medida provisória para reduzir impostos e, consequentemente, os preços dos veículos de até R$ 120 mil em uma faixa que vai de 1,5% a 10,96%, poderá até proporcionar elevação nas vendas, mas não resolverá o problema em si e, após o período de duração da medida provisória, voltaremos a patinar sem uma base ou estrutura consistente para crescer.
Nem mesmo as ponderações de Geraldo Alckmin sobre as bases para a redução de impostos estarem em aspectos como eficiência energética e o adensamento industrial deverão garantir o desenvolvimento do setor. Os veículos mais baratos, econômicos e com maior nível de nacionalização de componentes terão direito a descontos maiores de impostos.
Continuo achando que as medidas são paliativas e não vão proporcionar o necessário desenvolvimento da indústria automobilística, assim como não o fizeram nas ocasiões passadas.
Basta avaliar a declaração do ministro do Planejamento Fernando Haddad de que o programa proposto terá a duração entre três e quatro meses. E depois, como ficará?
Ao longo de minha carreira assisti à edição de vários planos para baratear os carros e aumentar as vendas.
A primeira crise a afetar a indústria automobilística e a assustar os clientes ocorreu em 1964 com apenas 7 anos de experiência do Brasil na produção de automóveis quando as dificuldades econômicas causaram preocupação ao público que passara um período de euforia e de entusiasmo pela oportunidade de adquirir um carro. As dificuldades motivaram o governo a planejar o estímulo à demanda de mercado com a ideia de evitar o desemprego com a criação de um carro popular despojado do que não fosse essencial e que pudesse ser vendido a um preço que boa parte da população tivesse acesso.
Surgiram, então, o Gordini Teimoso, produzido pela Willys-Overland do Brasil; o DKW-Vemag Pracinha, o Simca Profissional e o Volkswagen Pé-de-Boi. Para facilitar o acesso a esses carros, o programa contou com a participação da Caixa Econômica Federal que concedeu o financiamento necessário com taxas de juros mais baixas do que as praticadas pelo mercado financeiro. O incentivo ao programa tinha também o objetivo de aumentar a produção da indústria, evitando a crise e o desemprego.
O programa teve curta duração porque as fábricas exageram no despojamento e os carros foram empobrecidos em demasia. Os responsáveis pela ideia exageraram na simplificação dos veículos, o que desestimulou as pessoas que estavam na expectativa do programa ávidos pela oportunidade de acesso aos automóveis. E o programa foi perdendo o entusiasmo e acabou cancelado.
Em dezembro de 1969, as fábricas tinham em seus pátios e nas concessionárias 12 mil automóveis estocados por queda de vendas em consequência do aumento de preços entre 4% e 6% afastando os clientes das lojas. E eu e o Emílio Camanzi, que trabalhávamos no Jornal da Tarde, fizemos uma reportagem apresentando o drama vivido pelo setor com o título “Compre 12 mil automóveis para salvar a nossa indústria”.
Nesse ano a indústria estabeleceu o recorde de produção, com o total de 353.700 veículos com crescimento de 26% sobre as 280.000 unidades faturados no ano anterior.
Como éramos pobres, apesar dos anos seguidos de recordes e, imaginem, 12.000 automóveis para salvar a indústria que, hoje, produz e vende mais que esse total por cada dia.
Como a moda eram os carros, o público retomou as compras, o mercado absorveu os carros estocados e a indústria continuou a crescer, fechando 1970 com mais de 416 mil unidades e a evolução de quase 18%.
Nos anos de 1990, outro programa resultou na volta da produção do Volkswagen sedã, o Fusca, para a Autolatina atender à sugestão do presidente da República, Itamar Franco. O carro, que recebeu o apelido de Fusca Itamar, serviu como símbolo de uma nova injeção para a indústria, mas vendeu pouco e parou de ser produzido em 1996.
Em 2007 e 2008, já no governo Lula, outra medida para impulsionar o mercado, com linhas de crédito e condições de financiamento em até 84 meses. O mercado teve período positivo de vendas, com os consumidores comprando o seu carro novo. Mas, também, alguns anos depois resultou em uma grande inadimplência e em uma crise maior que a inicial e, em 2016 retrocedemos à produção de 2004.
No fundo, vários ditos populares poderiam representar muito bem o que estamos assistindo.
Escolho É como cobertor de pobre, aquele que quando cobre os pés, descobre a cabeça.
O momento enfrentado pela indústria automobilística brasileira hoje não é nem de perto ruim como outros já superados. Então deveríamos escolher o caminho da eficiência, da evolução, do desenvolvimento sustentado, mesmo que seja mais difícil, demorado e menos popular. Não o do imediatismo ou o caminho mais fácil e curto, pois no longo prazo essas decisões retardam o desenvolvimento da nossa indústria que deveria estar focada em como atuar mais rápida e eficazmente para a descarbonização e em como oferecer os modelos mais modernos e sustentáveis.
Entre os exemplos que acabaram dando resultado e de maneira sustentada, proporcionaram a evolução da indústria automobilística brasileira, cito o desenvolvimento dos veículos com motorização 1.0.
Aconteceu também nos anos de 1990 e a proposta era o lançamento de veículos com motor de 1000 cc para tornar o carro mais popular e barato.
Esse movimento transformou a nossa indústria e levou a Fiat (hoje Stellantis) do quarto para o segundo lugar em vendas, pois foi a que desenvolveu e lançou mais rápido um modelo, o Uno Mille.
O motor 1.0 foi o carro-chefe das montadoras no País e o Brasil se transformou em plataforma mundial de desenvolvimento de carros compactos.
Os carros com motor 1.0 provocaram a evolução dos nossos veículos, pois possibilitaram os nossos engenheiros a trabalhar em como tornar mais eficientes e potentes esses motores e surgiu o motor 1.0 turbo da Volkswagen, reconhecido internacionalmente como o mais potente 1.0 do mundo naquela época.
Essa movimentação coincidiu com a tendência de downsizing mundial para tornar os veículos menos poluentes e fez com que o Brasil estivesse preparado para desenvolver e produzir motores menores e menos poluentes e, ao mesmo tempo, mais eficientes e potentes.
Hoje, os modernos motores 1.0, 1,2, 1.3, 1.4 e 1.5 turbo substituíram motores de 2 e 3 litros oferecendo as mesmas potência e torque, com menor consumo e emissões. Tanto que equipam mais de 50% dos veículos produzidos no Brasil, inclusive SUVs médias e grandes.
Querem outro exemplo de programa que fez da nossa indústria pioneira no desenvolvimento tecnológico mundial? O Proálcool.
Criado em 1975 como solução para o Brasil enfrentar a primeira crise mundial do petróleo, o Proálcool foi o maior programa de energia renovável do mundo na época.
O êxito do Proálcool serviu de modelo para governos de vários outros países desenvolvidos, como da Europa e Estados Unidos, interessados em desenvolver programas próprios de etanol, receosos da dependência do petróleo do Oriente Médio.
O álcool produzido da cana-de-açúcar foi e é uma fonte de energia renovável e limpa, e fundamental na composição da matriz energética brasileira, capaz de reduzir o uso dos combustíveis fósseis.
Mais recentemente, na busca global pela rápida descarbonização, o álcool é uma opção viável e barata, e pode ser usado como combustível na transição do veículo movido a combustão interna para o elétrico, em que o etanol será fonte primária de energia para o motor elétrico.
Enquanto o veículo 100% elétrico ou híbrido for inacessível para o consumidor brasileiro pelo elevado preço, o incentivo ao uso do álcool como combustível traria benefícios imediatos ao meio ambiente sem onerar o bolso do cidadão brasileiro que, de maneira inteligente e barata, contribuiria para essa tão desejada e necessária descarbonização.
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