Era o dia 29 de março de 1972, véspera do primeiro Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, no Autódromo de Interlagos. Depois dos treinos classificatórios, encontrei o piloto argentino Carlos Reutemann próximo à cerca de arame do hoje Paddock da pista, atrás dos boxes. Ele estava admirando o circuito e ao me ver comentou que era a melhor pista do mundo e que gostaria de ganhar a corrida no dia seguinte.
A mim, pareceu uma pretensão impossível, porque Emerson e Wilsinho Fittipaldi e Luiz Pereira Bueno, os brasileiros na corrida, eram tão bons quanto ele, com a vantagem de melhor conhecerem os segredos de Interlagos.
Isso porque o traçado original de Interlagos era longo, seletivo e muito desafiador, como a sequência de Curvas 1,2, Retão e a frenagem para a traiçoeira Curva 3. Como Bird Clemente, outro famoso piloto, sempre comentava que conhecer a pista “como a sua própria casa” tinha sido fundamental nas suas vitórias, principalmente em corridas noturnas sob cerração, que dificultava a visibilidade dos pilotos.
Coincidência ou não, como brasileiro é bonzinho, no dia seguinte, 30 de março, quando comemorávamos a volta do País ao calendário da principal categoria do automobilismo mundial, a festa foi justamente dele, Carlos Reutemann.
Bem que Emerson Fittipaldi comandou a prova, mas um problema na suspensão de sua Lotus o obrigou a abandonar, facilitando a missão de Reutemann, que venceu na condução de sua Brabham-Ford, com o sueco Ronnie Peterson, em segundo lugar, com March-Ford, e Wilson Fittipaldi Júnior em terceiro, também com Brabham-Ford.
Reutemann ficou tão feliz com a vitória que me pediu que fizesse uma coleção das principais matérias publicadas nos jornais brasileiros para que pudesse guardar, o que entreguei a ele com grande satisfação na segunda-feira seguinte à prova.
Assim ficou marcada a volta do Brasil ao calendário da Fórmula 1, há exatos 50 anos. O que também poucos sabem ou lembram é que essa corrida experimental, não válida para o campeonato daquela temporada, começou um ano antes, em 1971, quando o jornalista Mario Glauco Pati, que trabalhava como editor do Caderno de Automóveis do Diário Popular, de São Paulo, recebeu telefonema de Antonio Carlos Scavone, piloto que decidiu se transformar em empresário do automobilismo para incluir o Brasil de volta ao calendário da Fórmula 1.
A ligação telefônica o fez tremer pela responsabilidade do convite que acabava de receber para ajudá-lo a organizar uma corrida de Fórmula 1 no Brasil no ano seguinte.
É evidente que o surpreendente convite provocou forte emoção em Mario Pati, pela importância da missão que assumiria. Mas como o objetivo era beneficiar o automobilismo brasileiro, apesar do choque inicial e dos riscos naturais que representava, Mario Pati aceitou o desafio.
O convite exigiu de Scavone e Pati, sucessivas viagens à Europa para conhecer a organização das corridas, estabelecer relacionamento com dirigentes, equipes e pilotos e a acumular a natural experiência nesse mundo de brilhantes astros do esporte mundial.
Os dois empenharam-se exaustivamente. Scavone para incluir o Brasil novamente no calendário mundial da principal categoria do automobilismo e Mario Pati para se tornar um grande e importante diretor de corridas internacionais.
Aquela corrida me faz relembrar o tempo de Chico Landi que justificava as corridas internacionais realizadas até os anos 60 no Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, e no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, e que atraiam os melhores pilotos do mundo.
Com a aposentadoria de Chico Landi, o Brasil foi excluído das corridas Grand Prix, como a Fórmula 1 era identificada no passado, até Scavone trazê-las novamente, uma vez que o País voltara a ter pilotos na categoria com a presença inicialmente de Emerson Fittipaldi que decidiu se aventurar em pistas europeias, incentivando outros pilotos a seguir o mesmo caminho.
A prova de 1972 foi aprovada pela FIA – Federação Internacional de Automobilismo que, no ano seguinte, oficializou o retorno do Brasil ao calendário da Fórmula 1, em corrida que teve a vitória de Emerson Fittipaldi.
Infelizmente, no dia 12 de julho de 1973, um acidente aéreo ocorrido no aeroporto de Orly, na França, interrompeu a carreira e o trabalho realizado por Antonio Carlos Scavone.
Mas sua energia, determinação e idealismo permanecem vivos depois de 50 anos com o legado deixado: o Grande Prêmio Brasil, um valioso presente para os brasileiros que gostam de corridas de automóveis.
Acesse nossos podcasts: