NOTA DE REPÚDIO
No dia 08/02/2023, presenciamos um dos julgamentos mais conflitantes da história do Supremo Tribunal Federal. Os ministros daquela Corte decidiram que um contribuinte que obteve uma sentença favorável, transitada em julgado, para não pagar um determinado tributo perde automaticamente o seu direito diante de um novo entendimento do STF que considera a cobrança constitucional. Definiram, ainda, por maioria de 6 votos, que a cessação de efeitos da coisa julgada é automática diante de uma nova decisão da Suprema Corte, não havendo a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão.
Consideramos que esse julgamento do Supremo Tribunal Federal de admitir o cancelamento de sentenças definitivas, ou seja, transitadas em julgado, a partir da modificação de entendimento da Corte em assuntos tributários, viola a garantia fundamental da coisa julgada e causa excessiva insegurança jurídica aos contribuintes. Ademais, o não acolhimento do pedido de modulação de efeitos, fazendo com que a rescisão da coisa julgada retroaja a 2007, gera uma insegurança jurídica descomunal, uma vez que os contribuintes confiaram justamente no título emitido pelo Poder Judiciário e agora terão de pagar a conta retroativa pela invalidação desse título causada pelo próprio Judiciário.
Nesse contexto, é imprescindível ressaltar que a coisa julgada é uma garantia fundamental que não pode sequer ser objeto de emenda constitucional. Ao permitir que ela seja automaticamente relevada e mitigada, como decidido pelo STF, a Corte superou a Constituição e a própria legislação processual federal. Aliás, a permissão da relativização da coisa julgada é muito mais grave do que se pode imaginar, é algo que pode desestabilizar toda a ordem jurídica do país. Isto é, a insegurança jurídica que se originou dessa decisão é capaz de abalar todo o nosso sistema jurídico.
Nesse sentido se posicionou o Ministro Luiz Fux, em palestra no Sindicato das Empresas de Contabilidade e Assessoramento de São Paulo: “é preciso preocupação severíssima com as consequências dessa decisão. Se a gente relativiza a coisa julgada, vale a segunda e não a primeira [decisão], porque não a terceira, a quarta, a quinta? Quando vamos ter segurança jurídica? Essa tal de previsibilidade?” Para Fux, a possibilidade de revisão da coisa julgada gera um “risco sistêmico absurdo, justamente porque a Receita poderá exigir dos contribuintes que não pagaram imposto, amparados em decisão judicial definitiva, que recolham agora, de maneira retroativa. Foi uma decisão genérica que se aplica a todos os tributos. Não foi só uma decisão sobre a contribuição social sobre o lucro, foi uma decisão que vai pegar tributos e pode pegar coisas julgadas de todas as naturezas”, afirmou o Ministro.
Diante do exposto, concluímos que a decisão do STF foi equivocada por dois motivos: Primeiramente, por entender que decisão judicial incide, como se lei fosse, ocasionando o indevido desfecho de haver rescisão automática da coisa julgada com base em precedente vinculante daquela Corte. Em segundo lugar, porque aplicou mal o instituto da modulação de efeitos. Nesse contexto, parafraseando o Ministro Luiz Fux, é importante ressaltar que “Um país que defende os direitos fundamentais e a segurança jurídica não pode se dar ao luxo de romper a coisa julgada”. Diante de fato tão grave, é necessário que o equívoco do referido julgamento seja imediatamente reconhecido. Sem prejuízo, esperamos que o Poder Legislativo, legítimo representante do povo, com a urgência necessária, tome as medidas cabíveis para regulamentar com exatidão os efeitos das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, sobretudo em ações diretas de (in)constitucionalidade e em sede de repercussão geral, de modo que não reste dúvidas de que as decisões futuras não afetam os efeitos da coisa julgada de processos já finalizados.